Literatura afro contemporânea

Os textos abaixo foram apresentados como minipalestras nas edições do Sarau Afro Mix, realizado pelo Quilombhoje. Constituem uma breve e interessante reflexão sobre distintos aspectos da literatura afro.

- LIMA BARRETO
- 120 ANOS DE ABOLIÇÃO E CN31
- LITERATURA NEGRA E RAP



AFONSO HENRIQUES DE LIMA BARRETO

Profa. Joyce Cristina Rodrigues


Negro, perdeu a mãe aos seis anos; aluno brilhante, afastou-se da faculdade, a Escola Politécnica do Rio de Janeiro, quando o pai adoeceu. As experiências com jornalismo, que vinham dos tempos de estudante, continuaram e se transformaram em profissão. Era jovem quando se tornou jornalista do Correio da Manhã.

Seu primeiro romance, Recordações do Escrivão Isaías Caminha, foi publicado em Lisboa. Com fortes elementos autobiográficos, o romance trata dos bastidores dos jornais brasileiros de opinião na época e do preconceito racial, preconceito do qual sempre foi vítima.

Mais tarde publicou, em forma de folhetim, seu romance mais conhecido, Triste Fim de Policarpo Quaresma, narrando a vida de um modesto funcionário público em três estágios diferentes, que correspondem, mais ou menos, às três partes em que se divide a obra. A primeira parte relata sua vida como funcionário público; a segunda, como proprietário rural; a terceira, como soldado voluntário na Revolta da Armada, de 1893.

As partes desse romance focalizam o mundo carioca em três níveis diferentes e complementares: a vida simples do subúrbio, o cotidiano familiar e político da zona rural e a atmosfera política da Primeira República. Policarpo Quaresma, grande sonhador, segue rumo a uma reforma cultural, agrícola e política. Ao fim dessa caminhada ufanista, o país revela-se inóspito, precário, infecundo, cruel, opressor e odioso. Ao abordar o tema do patriotismo brasileiro, o romance problematiza um dos conceitos mais arraigados do caráter nacional, expondo-o ao ridículo, numa impiedosa anatomia da alma coletiva.

Os Bruzundangas é obra póstuma de Lima Barreto e proporciona uma leitura deliciosa e ao mesmo tempo dolorida pela brutalidade com que as verdades são ditas. É uma coletânea de crônicas, onde o autor, com a percepção aguda e crítica, não deixa escapar nada. Satiriza uma fictícia nação onde ele mesmo teria residido. Seus capítulos enfocam, entre outros temas, a diplomacia, a Constituição, transações e propinas, os políticos e eleições em Bruzundanga.

Critica os privilégios da nobreza, o poder das oligarquias rurais, a futilidade das sanguessugas do erário, desigualdades, saúde e educação tratadas com desdém, enfim, mazelas parecidas às de um país real. Ao lê-lo, tem-se impressão de que o escritor não se fez arauto de seu tempo; o Brasil é que patinou nos descaminhos de si. Nas raízes do imaginário país grassam oportunistas, apaniguados, retrógrados e escravocratas de quatro costados.

Sobre os usos e costumes das autoridades, escreve que não atendem às necessidades do povo, tampouco lhe resolvem os problemas. Cuidam de enriquecer e firmar a situação dos descendentes e colaterais. Diz: “Não há homem influente que não tenha parentes e amigos ocupando cargos de Estado; não há doutores da lei e deputados que não se considerem no direito de deixar aos filhos, netos, sobrinhos e primos gordas pensões pagas pelo Tesouro da República.

Enquanto isto, a população é escorchada de impostos e vexações fiscais; vive sugada para que parvos, com títulos altissonantes disso ou daquilo, gozem vencimentos, subsídios e aposentadorias duplicados, triplicados, afora os rendimentos que vêm de outras e quaisquer origens”.

Lima Barreto é mestre da ficção de escárnio. A proximidade entre o jornalista e o escritor torna a literatura de Lima Barreto mais acessível ao grande público, a utilização dos recursos da crônica jornalística é visível em seus textos, nos quais a simplicidade da linguagem, sua aproximação da fala cotidiana e a ironia sempre contundente estão voltadas para a denúncia de injustiças e arbitrariedades cometidas no Brasil pós-republicano, de que o autor traça um verdadeiro painel crítico e repleto de indignação.

Infelizmente nós nos fazemos até hoje muitas destas indagações de Lima Barreto. Será que Lima Barreto, um escritor espetacular, crítico, observador, detalhista também era visionário ou nós que nos achamos numa nova era, que pouco evoluímos?

Fontes:
SANTOS, Ivair Augusto Alves dos Santos; TESE DE MESTRADO EM CI?NCIAS
POLITICAS;O MOVIMENTO NEGRO E O ESTADO (1983-1987); São Paulo: CONE e Prefeitura da Cidade de São Paulo, 2001.
www.portrasdasletras.com.br
www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/quaresma.html
http://portalrevistas.ucb.br/index.php/RL/article/viewFile/53/44


UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE OS 120 ANOS DA ABOLIÇÃO NOS POEMAS DO CADERNOS NEGROS VOLUME 31

Sergio Silva

O livro Cadernos Negros volume 31, dedicado a poemas, por se tratar de obra de coleção ininterrupta desde 1978, foi concebido durante o período de comemoração dos 120 anos da abolição da escravatura.

Esse filtro de análise é fruto de reflexão descompromissada, e desvinculada da escolha dos poemas pelos autores, pois em nenhum momento a edição dos textos foi, ou é, direcionada a partir de tema único.

O princípio que norteia os Cadernos Negros durante todos esses anos pode ser encontrado na carta convite: “Em Cadernos os autores podem expressar os múltiplos aspectos da experiência afro atual (as emoções, os desejos, as alegrias, as tristezas, os ideais, os sorrisos e as lágrimas, as esperanças e as desilusões, a beleza, enfim; nossas ações e contradições)”, possibilitando ao autor manifestação ampla de sua produção literária dentro do espectro da vivência de afro-brasileiro.


Eis o nosso passeio literário em forma de reflexão: os 120 anos da abolição nos poemas dos Cadernos Negros vol. 31.

A tarefa da leitura sob esse viés específico pode ser prazerosa, mas, nem por isso, óbvia. Não é fácil encontrar todos ou alguns dos índices referentes à abolição e suas pré e pós-consequências, como veremos mais adiante.

Cada um dos poemas foi concebido sob experiências múltiplas da vida de cada poeta, ora banhados de romantismo, ora na secura da resposta da vida, ora na esperança... Portanto, antes de iniciarmos este passeio, proponho a leitura do emblemático poema Em Maio, de Oswaldo de Camargo, que seria de fácil identificação da problemática, se não fosse de publicação anterior e também selecionado no livro Melhores Poemas:

EM MAIO

Já não há mais razão para chamar as lembranças
e mostrá-las ao povo
em maio.
Em maio sopram ventos desatados
por mãos de mando, turvam o sentido
do que sonhamos.
Em maio uma tal senhora Liberdade se alvoroça,
e desce às praças das bocas entreabertas
e começa:
"Outrora, nas senzalas, os senhores..."
Mas a Liberdade que desce à praça
nos meados de maio,
pedindo rumores,
É uma senhora esquálida, seca, desvalida
e nada sabe de nossa vida.
A Liberdade que sei é uma menina sem jeito,
vem montada no ombro dos moleques
e se esconde
no peito, em fogo, dos que jamais irão
à praça.
Na praça estão os fracos, os velhos, os decadentes
e seu grito: "Ó bendita Liberdade!"
E ela sorri e se orgulha, de verdade,
do muito que tem feito!
       (Oswaldo de Camargo, publicado em Cadernos Negros Melhores Poemas, pág.112 )

Os anos passam, mas e as mudanças? Poema publicado há mais de 20 anos, está mais vivo do que nunca, adequado aos dias atuais, onde dialoga com o feriado de 20 de novembro, em homenagem a Zumbi dos Palmares. Aqui o poeta mostra o triste legado da abolição que aparece na imagem dos que ficaram na praça comemorando o 13 de maio, sob os mandos e os efeitos narcotizantes de uma senhora liberdade anacrônica, desconhecedora da vida da população negra.

Iniciamos, agora de fato, nossa reflexão sobre o CN31, também com um poema direto e incisivo, em que o poeta vira do avesso mitos da harmonia racial e discute a modernização da senzala e os beneficiados com os novos engenhos.

PRIVAÇÕES E PRIVILÉGIOS

Mãe preta, princesa Isabel,
harmonia racial
mitos com validade vencida
treze foi um truque de reciclagem
sair da senzala, cair na favela
impossível influir no futuro
sem rimar cidade com escolaridade

insistimos, nos refizemos afros em movimento
e, na antevéspera do último 13 de maio,
um dos grandes da imprensa branca confessa,
só 3,5% de executivos negros
nas 500 maiores empresas

pra quem há muito mistura
afrodescendência e consciência
novidade nenhuma
décadas, ciclos, séculos
e o Brasil um absurdo funil

século 21 e ainda preferências eurocentradas
e diluídas em oportunidades, anúncios, editoriais,
e-mails e abaixo-assinados
eh, os coronéis daqui são de engenhos multimídia
e seus jagunços-celebridades-negrossocialistas
detestam alternativa afro
com a mesma gana de quem caçava quilombola
ameaçava abolicionista
      (Jamu Minka, pág. 70)

Mas a leitura deve aceitar surpresas ao encontrar poema como este pela frente:

PASSADO

depois que as gotas secaram
o chão ficou encerado
de vermelho

hoje todos dançam no salão escorregadio

quando digo que pisam meu sangue
ainda tem gente imaginando que eu minto
mas a verdade é:
invisíveis
as gotas ainda pingam.
      (Cuti, pág. 24)

Neste caso, o poeta lança uma linha direta em direção aos sentimentos do leitor atingido por meio de grande impacto visual, jogando-o para um cenário de uma senzala que mais se assemelha a um matadouro com corpos pendurados, desolação e privação de humanidade. Deixa a pergunta: como transitar em terreno escorregadio se a fonte é uma chaga que não cicatriza?
Em outro momento surge o dia seguinte, a pós-abolição, o 14 de maio:

TRISTES TRÓPICOS

depois de escravo
pensei que podia
garantir ao menos
em paz
a comida

o coma veio logo
depois da imensa ferida

desvendar a fera que nos consome e ilude
cravar-lhe os dentes na carne
o que pude

mas ela continua:
bebe sangue
mar
rio
açude
     (Cuti, pág. 30)

São poemas que se confundem no tempo, pois se escritos há 120 anos continuariam pertinentes. O poeta avisa sobre o perigo de manter-se “em paz” e qual custo deste ato. O “fingir-se de morto” apenas instiga a fome insaciável da fera.

NEGRO OU ALVO

na mosca
a antítese da obreia:
ser negro
ou ser o alvo
     (Luis Carlos de Oliveira “Aseokaynha, pág. 79)

O poeta apresenta o branqueamento como amarras de um frágil corpo à espera lenta e inexorável da devora. Cento e vinte anos não foram suficientes para solucionar o espólio da escravidão pela sociedade. O que acontece é a transferência da responsabilidade a cada criança negra ao nascer e a ordem geral para se manter a harmonia racial: não falar sobre o racismo, pensar e fingir que não vê ou existe. Reflexo disso é a invisibilidade que se transfere ao negro, tratada no poema abaixo:

ENSINAMENTOS

ser invisível quando não se quer ser
é ser mágico nato

não se ensina, não se pratica, mas se aprende
no primeiro dia de aula aprende-se
que é uma ciência exata

o invisível exercita o ser “zero à esquerda”
o invisível não exercita cidadania
as aulas de emprego, casa e comida
são excluídas do currículo da vida

ser invisível quando não se quer ser
é ser um fantasma que não assusta ninguém
quando se é invisível sem querer
ninguém conta até dez
ninguém tapa ou fecha os olhos
a brincadeira agora é outra
os outros brincam de não nos ver

saiba que nos tornamos invisíveis
sem truques, sem mágicas,
ser invisível é uma ciência exata
mas o invisível é visto no mundo financeiro
é visto para apanhar da polícia
é visto na época das eleições
é visto para acertar as contas com o leão
para pagar prestações e mais prestações
é tanto zero à esquerda que o invisível
na levada da vida soma-se
a outros tantos zeros à esquerda
para assim construir-se humano.
      (Esmeralda Ribeiro, pág 55)

A presença e respeito aos orixás surge com força e naturalidade em muitos poemas.

OMIN

sou enchente
das águas profundas,
escuras
poço sem fundo
fatal para os desavisados
farta para os que com cuidado
se agacham para pedir:
“sua benção, minha mãe!”
ora rio
yê, yê ô, rio
ora yê yê ô, yalodê
sou por vezes maré de vazante
com vontade de tirar tudo de dentro
os desatentos pensam até que vou secar...
mas é só o sol descer
que volto a encher
enchente, profunda, escura
fatal e farta
sou água
      (Mel Adún, pág 91)

A poeta escreve com sentimentos equiparados à força das marés, das vazantes, dos rios, na intenção de alertar os desavisados que não compreender sua origem, sua força interior, sua ancestralidade, pode ser um erro fatal.

Conclusão

Quando pensamos na abolição da escravatura, logo imaginamos um passado distante, de carruagens trafegando em ruas estreitas, com prédios cinzentos e antigos, de gente sisuda, terno de linho branco e chapéus respeitando a moda vigente. Porém, quem consegue imaginar seus antepassados felizes, famílias negras de mãos dadas, com esperanças materializadas em escrituras de terras, se não eram donos de fazendas, de estabelecimentos, donos da liberdade?

Talvez esta lembrança seja somente a minha, ou eu a divida com mais pessoas. Mas em treze de maio de 1888 ocorria um fato histórico em forma de lei, decorrente de pressões econômicas, políticas nacionais e internacionais, inúmeros levantes, insurreições, ataques, quilombos... Criaram ídolos, apagaram símbolos, queimaram arquivos, perseguiram cultos. Mas estamos vivos e ativos.

Em Cadernos Negros vol. 31 a escritora Claudia Walleska, estreante nessa publicação, escreve, na apresentação de seus poemas: “A poesia pode ser um meio de desabafo, desaforo, diversão, desacordo e desconstrução do mundo em que vivemos”. Encerro com o poema “Quilombo, hoje” de Sidney de Paula, que sintetiza as armas modernas: papel e caneta, indispensáveis para um bom combate.

QUILOMBO, HOJE

Hoje sonhei com um Quilombo
Levantei atônito, eufórico
Quase tonto, mas pronto
Pro levante, pro embate

Pra afronta, cobrar a conta
Inspirado pela ancestral fúria
Cheguei ao cume, à cor, à cura
Acalentado pela negra literatura

Hoje acordei num Quilombo
Acordei voraz, despertei feroz
Com vez, vontade e voz
Altivo enegreci a escrita

Cheio de gosto, estou disposto
Com garbo expus meu rosto
Hoje abracei um Quilombo
De letras, poesias, crônicas, contos

Quilombo que pode ser livro
Pode ser lido, ser caderno
Pode ser eu, pode ser eterno
Hoje ginguei e ensaiei um jongo

Libertei-me como um pombo
Alcei voo para um Quilombo
Hoje...
      (Sidney de Paula Oliveira, pág 132)

Bibliografia:
Cadernos Negros: os melhores poemas / organizador Quilombhoje SP, 1998
Cadernos Negros, volume 31- poemas afro brasileiros / orgs. Esmeralda Ribeiro e Marcio Barbosa) SP, Quilombhoje , 2008
Carta Convite CN30


LITERATURA NEGRA E RAP

Thyco

Para falar de literatura negra recorro ao precursores da abolição que, em seus textos, já manifestavam a indignação e protesto contra a escravidão no Brasil. Antes da abolição dos escravos no Brasil, o movimento abolicionista foi responsável por criticar veementemente a escravidão.

Dentre os abolicionistas estavam profissionais de diferente setores, como jornalistas, advogados, escritores entre outros quem em comum, independentemente de sua classificação étnica queriam o fim do regime escravocrata brasileiro. Entre os que faziam linha de frente no movimento abolicionista cito José Bonifácio, Eusébio de Queiroz, José Maria da Silva Paranhos (Visconde do Rio Branco), Castro Alves, autor de Navio Negreiro, Vozes D'Africa, Joaquim Nabuco que escreveu O Abolicionismo, Um estadista do Império, Camões os Lusíadas, José Mariano, José do Patrocínio, Luiz Gama, que já naquela época usava o pseudo Afro quando escrevia no jornal O Ipiranga, e Rui Barbosa, que também foi um dos fundadores da ABL - Academia Brasileira de Letras.

Antes da abolição já se produziam obras com a temática racial. Isso foi aumentando com a chegada de novos autores negros na literatura, como Teixeira e Souza, Machado de Assis, Lima Barreto, Solano Trindade entre outros. Ouso dizer que a literatura negra no Brasil foi ganhando a sua pigmentação mais acentuada a partir da década de 30, com a criação da Frente Negra e publicações como A voz da Raça e Clarim d'Alvorada.


Foi aí que a literatura tomou um novo rumo. Antes o que era "privilégio" da burguesia passou a fazer parte do domínio público, da população negra. A literatura sofreu uma metamorfose que para a elite vinha a ser uma decadência, mas para a própria literatura e para a grande massa era o seu auge.

No final dos anos 70, com o surgimento da série Cadernos Negros, mais autores foram transcrevendo sua vivência afro-brasileira. Vieram trazendo mais ritmo, ginga e suingue para as páginas do livros. A história do negro agora sim era contada pelo próprio negro ,que passou de simples criatura para criador.


Com o surgimento do hip hop que, através do rap, tinha como objetivo principal a contestação da desigualdade, racismo, violência, drogas etc, a literatura veio adentrar mais na periferia.

Digo que o rap foi um importante veículo condutor da literatura para a juventude da periferia em especial, quebrou um pouco aquele conceito de que literatura era coisa de mauricinho, e isso os rappers descobriram de uma forma simples, lendo. Houve um grupo chamado Os Metralhas que cantou o Rap da Abolição, que naquele tempo fez muito sucesso, a letra dizia:

"Bem como diz a verde e branco; o Negro vai à luta
O Negro vai à guerra
O Negro ajudou a construir a nossa terra
Hoje você discrimina critica a abolição
Não lembra a pele branca na palma da mão..."

Literatura se aprende lendo e foi dessa forma que surgiram novos escritores, com linguagens diferentes da academia, com formação diferente dos escritores de outros tempos. Hoje um jovem mesmo não tendo seu curso superior pode sonhar em se tornar um Machado de Assis; o fato de não ter um diploma na mão não o faz menos inteligente que um acadêmico, prova disso é nossa querida Carolina Maria de Jesus, que na condição de favelada e semi-analfabeta veio a ser imortalizada com sua obra Quarto de Despejo. Não quero com isso dizer que não precisamos de um curso superior, claro que, se tivermos meios e condições de fazer, devemos fazer, mas digo que para ser um escritor hoje basta querer, pois temos itens favorecedores que podem ajudar.

Pegue um tempo com calma e transcreva uma letra de rap do Racionais, Thaide, Gog e tantos outros e perceberão que para eles escreverem certas letras de rap precisaram ler, adquirir conhecimento . Os abolicionistas antecederam o trabalho que hoje é desenvolvido pelos rappers.


Hoje temos rappers apresentando programas de TV, escrevendo livros, produzindo cultura. É pouco? Sim, é. Porém não se pode ocupar um espaço tão "raro" de uma só vez. Não houve apenas um único abolicionista, nem mesmo apenas um único texto pedindo o fim da escravidão, houve abolicionistas que morreram sem ver nascer o fruto que haviam plantado.

Assim como tivemos rappers que também morreram sem ver atendidas as reivindicações que faziam. Acredito que a peleja daquele tempo foi árdua como ainda é nos dias de hoje. Não é todo mundo que gosta de literatura negra assim como não é todo mundo que gosta de rap. Quando Adoniram Barbosa-Demônios da Garoa cantaram o samba do Arnesto


"O Arnesto nos convidou pro samba ele mora no Brás,
Nós fumo e num incontremos ninguém
Nós vortemos cuma baita de uma réiva
Da outra veiz nóis num vai mais"


a crítica qualificava como algo revolucionário, para aquela época, o jeito deles cantarem. Hoje quando um rap toca e nele é usada a linguagem da periferia, com gírias e o português nosso do dia a dia dizem que os rappe's são um bando de burros que não sabem nem falar e querem posar de cantores (eu já ouvi isso inúmeras vezes) etc.

Com isso não quero menosprezar o trabalho dos Demônios da Garoa ou de outros artistas, só quero mostrar que o preconceito está aí. Ainda nos dias de hoje enfrentamos o preconceito por fazer uma literatura temática ou por cantar rap, uma literatura que tem cor, uma música que fala de preconceitos. Escritores e rappers, quando indagados sobre sua identidade racial, não param e pensam para dizer:


"Negros, nós somos Negros
E a nós damos valor"
     DMN

"Sabe quem eu sou?
Afro- brasileiro, me diga quem você é. Afro-Brasileiro
Somos descendentes de Zumbi, o grande guerreiro"
     (Thaide e DJ HUM)

Dados Bibliográficos:
Frente Negra Brasileira - Depoimentos - Marcio Barbosa,
Os Precursores da Abolição - Américo Palha
Quem é Quem na Negritude Brasileira vol. I - Prof. Eduardo de Oliveira - Congresso Nacional Afro-Brasileiro - CNAB
Revista Livro Aberto ano 2 n. 14 nov/1999; matéria: Negros na literatura Brasileira. Texto de Wilson H. da Silva